terça-feira, 2 de outubro de 2018

Matriarcas

Há um país a querer latejar no sémen que procria nevoeiro.
Enquanto isso,
as mulheres não se deixam engravidar por nuvens stratus
e caminham até à visibilidade.
Nesse país as mulheres não usam a liberdade como contraceptivo, incentivam-na!


( Os fórceps extraem o amadurecer da esperança).


JFV
1/10/2018

 Matriarcas do Tejuco do sec.XVIII
Autoria: Elisa Grossi Fabrino

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Tu sabes, Mano Velho…

1942-2018

Tu sabes, Mano Velho...

Nascemos da mesma raiz
quando a liberdade ainda era decepada pelo cutelo de um país sem germinar.


Tu sabes, Mano Velho,,,
Seis não foi a conta que Deus fez,
foi o “diabo à solta” que a Marianita domava repartindo o coração,
a açorda, as migas e as lavadas enquanto alinhavava a dor e cerzia a escuridão de uma casa e de um povo por vestir.


Tu sabes, Mano Velho...
Os anos foram passando entre rodas que arrancaram do asfalto lágrimas-também alguns sorrisos-
onde a tua presença deixou marcas para explicar a nós, teus irmãos vindouros, que os caminhos também se percorrem com borboletas nos pés.
0 vento levou-te para outras paragens e em cada uma delas a cama ficava menor.


Tu sabes, Mano Velho…
Regressaste a Serpa depois do assombro de veres nascer quatro sóis.
Quando cheguei, sem marcação-meio sol meio lua-
iluminavas a terra pequena sempre que a tua imagem se reflectia
nas águas do Guadiana para que vissem como é o outro lado do tédio.


Tu sabes, Mano Velho…
O tempo, esse delicado segredo, transportou-nos para onde desaguam os foragidos das sombras.
Lisboa foi o mistério nunca desvendado.
Deu-te as baquetas com que exorcizavas com música as estrelas que se te apagaram na guerra.
Deu-nos os livros que fez com que quiséssemos espreitar a cidade mas só a vimos através do postigo.


Tu sabes, Mano Velho…
Um feixe de luz circulou pelo teu corpo e sangue novo habitou a tua nova casa.
Outros sóis chegaram, a paixão os fez nascer quando refizeste a constelação
e apagaram a sombra do passado.
O tamanho da cama deixou de ter importância, adormecem no teu imenso coração.


Tu sabes, Mano Velho…
De tão cansado que estavas de carregar espectros,
atravessaste o Atlântico para encontrares quem te tirasse o punhal do peito.
Tu sabias, Mano Velho, que a vida é pequena e havia que enchê-la de esperança.
Reentraste nas entranhas da vida sem lama a sujar-te o sorriso.


O amor não tem sepultura nem se esvai em cinzas.
Eu que nunca fui de cumprir destinos, saberei sempre onde te encontrar, Mano Velho!

JFV
09/02/2018

sábado, 27 de janeiro de 2018

Ah, como gostaria de seduzir o mar...




Ah, como gostaria de seduzir o mar...
Secá-lo das lágrimas que este sentir medonho fez transbordar.

Há abraços, beijos e palavras a boiar,
náufragos que o tempo roubou.


(Os peixes serão mais felizes nadando na dor?)

JFV

18/01/2018

sábado, 4 de novembro de 2017

Bulício, como demoras...

 Dariusz Labuzek - It's Time to Say Goodbye

Bulício, como demoras...

Esta ânsia de agitar os relógios
desfaz o tempo que tenho para refazer o meu mundo
e repelir o silêncio pendido na encruzilhada
onde o ser travesso que sou, se perde.

Nem o álibi dos ponteiros me inocenta
das horas que amei mal.


Enquanto imitava a pressa do quotidiano
apodreciam luas e sóis nos meus braços.
Nas minhas virilhas nunca foi noite ou dia,
não suplicaram nuvens nem estrelas,
fingiam amor pelo futuro que não existia.


Tantos bocejos!
Tanta espera em plataformas de corações parados!
 

O sossego permanece.
As noites de suor estão presas
na angústia do amanhã
que já não recordam a potência do ontem.

As rugas são a calmaria da adolescência
neste desassossego de um passado
que nem a catraca giratória
faz com que acerte nas horas aprumadas.


É pelo coração que contamos
o tempo que falta para acertar
o quando foi cedo ou tarde para amar.
Esta ânsia de agitar os relógios
não marca destinos,
adianta o desejo do bulício que demora.


(A idade é ciumenta quando o tempo se desfaz e adianta.)

FV
02/11/2017

sábado, 21 de outubro de 2017

Hoje rasguei o coração


 Memória (O coração)__ Frida Kahlo


Hoje rasguei o coração
Soprei
Vi-o ir cumprir destinos para outro lado.

(Que importa? São só sonhos a esvoaçar...)


JFV
2/09/2017

ELEIÇÕES

ELEIÇÕES

Há tanta gente a enferrujar o mundo.
Pairam entre o ódio, a indiferença e o vinagre nas promessas.

( E saber que corroem os iludidos com "palavras cruzadas")

JFV
14/09/2017

Tiraram-me todo o mistério




 Christophe Hohler



Tiraram-me todo o mistério.
Os fantasmas deixaram as vestes no balneário.
Fantasmas nus e musculados não me amedrontam,
são a nudez do além e do aquém
que usam caveiras de marca.
Nenhum me põe os pelos em riste
nem me causam calafrios.


( As trevas tornaram-me invisível e durmo sozinho sem necessitar de um lençol suado vindo do inferno.)

JFV
28/09/2017

Gin tónico




 matisse_bonheur-vivre

Gin tónico

Não há gin tónico entre nós
para que possamos brindar aos corações
que se cansaram de estar em sentinela.


Do nosso lado
temos a poesia que a distância ilumina
e disfarça
como se a realidade tivesse raízes
para além da vontade.


Temos viajado pelos nossos corpos
sem nos tocarmos
ou ousarmos entrelaçar os sexos.
 

E esta vontade
de existires onde me repito
para que a minha sombra sejas tu,
nunca foi consumada.


Tenho o corpo vazio de ti
mas o gelo que tenho no peito derrete
e inunda a imaginação.


(Hoje tenho pena de o não ter posto no gin tónico)


JFV
6/10/2017

terça-feira, 11 de julho de 2017

INQUIETUDE



A vontade alheia e mendiga
é incapaz de alimentar
um faminto da criação.

A gula é movediça
quando a fome do querer fazer
é um sonho barricado no estômago.

A inquietude
do mendigo digere a ilusão
e come a inércia
que o vagar provoca.

JFV

05/07/2017

quarta-feira, 1 de março de 2017

Hoje não vou estar calado...

 Para Manuela Sabino



Hoje não vou estar calado.
Não me interessa
que abras a gaveta da memória
e me olhes com o olhar de apagar fogueiras.

É inútil!
É como se os passos que caminhaste
percorressem mais o dia
do que a vida.

É inútil!
São anos que a terra te deu
e com ela construíste
a casa da conveniência
o que faz que tenhas a idade das borboletas.

Hoje não vou estar calado.
Não me interessa que ignores
o sol que entra pelo teu dia…
Vou recordá-lo mesmo que me olhes
com o olhar de apagar fogueiras.
Podes tentar,
mas é inútil!

O meu sentir é fogo que não se extingue!

JFV

11/1/2017






segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Duros golpes

 
 
 
 
 
Os duros golpes
não marcam data
nem se importam em que lado da vida caminhamos.
Em viés trespassam-nos a carne,
marcam terror nos dias...

com começo,
sem fim...

Regressam e enfeitam-nos o corpo
em dias curvos
para que o passadiço onde nos refugiamos
nos faça cair no abismo.

(O descaminho à nossa frente
é o desvio que nos perfura a mente)

JFV

18/01/2017

Livros que choram




Livros que choram...
Que importa que portas fechem
se a escuridão é do tamanho dos infelizes
que nunca viram a luz que dá a poesia,
nem fizeram amor com (um) romance?...

Montes e montes de livros...
Tristes, indignados...
Presos no lodo,
nos limos
e na ignorância dos charcos,
tentam sobreviver desfolhando os olhos
lágrima a lágrima.
Os livros são habitados...
têm dentro ideias,
ideais
e páginas que esbracejam para não os deixar morrer
porque não se envergonham da sua existência
nem se importam que os vejam chorar.

 
JFV
 

28/01/2017

Poeta do olhar





Para a amiga e fotógrafa Lina Madeira
Foto_Lina Madeira


Há poetas que captam a vida com o olhar.
Uma flor em liberdade sai-lhe dos olhos,
uma onda que canta na rebentação
apura-lhe os sentidos.

O dia,
a noite,
o homem que não se recusa a olhar o mundo
nem que esteja preso na ilusão da tragédia,
prolonga a esperança que o olhar tem
sem fingir sentimentos ou rotinas.

O poeta do olhar
habita no meio das estrelas,
divide o céu ao meio,
sopra as nuvens,
vive para além do infinito,
ama o que vê e o que sente
e regista na máquina e no coração.

As fotografias falam no silêncio e nada ocultam,
são como crianças que abrem a imaginação
com o mesmo entusiasmo com que o poeta do olhar
reinventa a vida!

JFV
28/01/2017

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Venho de ver o mar deserto…








Venho de ver o mar deserto…

Trago as ondas nas mãos

onde as deixo sossegar

e neste silêncio que procuram

a ilusão da liberdade

já me escorre pelos dedos.


(Mas inunda-me o coração.)



JFV

29/11/2016

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

HOJE NÃO...



  
Tired of Being Angry- Bernie Rosage Jr.



Hoje não me revejo naquilo que sou...
Talvez amanhã,
ou depois...
A esperança é um bocejo
que a pouco e pouco adormece
e me arranca do sonho com os cascos
da besta que não escondo de mim.
Hoje não...
Talvez amanhã,
ou depois
me reinvente e saiba dizer
a que hora exacta
deverei mudar as ferraduras,
cavalgue de esperança em riste
e mate todos os sonhos mal aproveitados.
Hoje não...
Talvez amanhã,
ou depois...
Hoje tudo me cansa!


JFV
16/11/2016

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Chuva




(Vista do meu quarto em Olhão)


Cai, cai...
Ébria de aventura
a chuva vive no céu
mas é na terra
que é feliz!


(Cai e acaricia o sol apagado!)

JFV

A noite falha...




A noite falha.
O escuro grita ao sono intermédio
e assusta o rebanho incontável.
Prolonga-se a noite
e fios de memórias
saltam sobre as cercas dos olhos.

A noite falha
e a manhã chegará
como um espectro de velas.

JFV
28/10/2016

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O Outono tem pudor da água





 Autumn Energy, original painting by Nancy Eckels


Olhos chegados às entranhas do frio
empunham bandeiras que não morrem nem gelam.

Hasteadas as lágrimas no mastro dos pesadelos
não desbotam o arco íris
nem quando a cor e a luz
faz com que a primavera seja uma adivinha.

Inventam-se novos olhos
que trepam árvores e dão sentido à terra
mesmo que o remorso do vento
ensine as folhas a bordar um novo manto
sem que as lágrimas se tornem fogueiras.

( O Outono tem pudor da água.)

28/09/2016

JFV

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Quero tanto ser importante...




 Otto Dix

(-Quero tanto ser importante-)

Andar com dois mestrados pela trela.
Falar mandarim enquanto mastigo pizza prateada
e italiano com chau min de ouro na boca.
Representar Beckett, Tennessee Williams, Juan Mayorga
numa cama de corcel
onde possa esperar que Godot chame o desejo
sem parecer um animal noturno com cio.
Ler a Bíblia, Vedas, Alcorão, Tanakh e outros mais
para quando o pecado urgir
a absolvição seja instantânea
e não entre no céu por orifícios adversos.
Vestir etiquetas de marca e não me constipar.
Morar em Peak Road, Fifth Avenue, Knightsbridge
sem me sentir o indigente sobre quem caiu o tecto de Deus.
Aprender a colocar vírgulas e reticências no final das ruas
e usar a semântica como passadeiras para peões.

(Não pretendo chocar com a inteligência
nem ser atropelado por ideias ou raciocínios).

Descer aos confins do inferno
e assar a raiz do pensamento nas labaredas de Dante
de forma que as punições sejam uma “Divina Comédia”.
Cumprimentar o trolha, o camponês, o feirante.
Passar pelos seus pardieiros sem solidão nas janelas.
Os filhos a crescerem à minha passagem
põem-me um açaime para não morder as próprias canelas.

(A importância que tenho foi arrancada do chão
pelo acariciar dos vendavais que a vida persegue)


JFV

10/02/2016