domingo, 21 de abril de 2013

Pele por pele...


 E por aqui ando
a palmilhar
acessos para não encontrar o rebanho
nem o pasto
onde outros, semelhantes,
foram devorados
por lobos saídos das urnas...

Já não acredito em prestidigitadores,
e receio peles de cordeiro.

JFV
21/04/2013

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Dilúvio




Hans Baldung_O Dilúvio


Há um céu crucificado
em orgias de nuvens
que aqui na terra
quando há escuridão a mais
explode numa aura de cama.

Não sei se o que me deprime
é a ilusão do Universo,
o frenesim da chuva,
ou não ter fechado a janela.

JFV

terça-feira, 9 de abril de 2013

Labaredas de um país







Nasci com o suor da ditadura e fizeram-me inferno
e mil labaredas desenharam-me a alma
no incêndio da vida.
Ardi na alegria de um diabo invisível
que vi um dia
quando a liberdade ainda era uma visão longínqua
mas me servia de guia.
Os anos tornaram abjecto um corpo
mal aproveitado
e que berrou por um duche frio
e um vento vagabundo
que refrescasse a nudez das borboletas
que voavam na encruzilhada
de um peito onde o amor
e a esperança ainda tinha pólen,
e mistério para desvendar.


Pobre suor que escorreu pelos calaboiços da realidade,
alagando um país, só porque tinha olhos de ver
e não queria os escombros do povo
a servirem de lenha na fogueira onde o diabo era acendalha.

Nasci, mas não quero morrer a cheirar a esse suor,
nem que o meu corpo volte a sentir as labaredas
de um país que os diabos, agora visíveis, estão a incendiar.


Apaguem essa fornalha,
ou restarão só cinzas!

JFV


8-04-2013

terça-feira, 2 de abril de 2013

A AUSÊNCIA QUE NÃO PROJECTO

Pintura: The Open Door_Andrei Zadorine




Não deitei o tempo fora
nem caminho pelos desertos
que aglutinam os horizontes
em areia que ondeia
nos pensamentos mortos.

As horas arranham
as portas fechadas
que mantêm a distância
entre a ânsia do querer estar
e a ausência que não projecto.

Sinto falta de sentir
como sente a imaginação
e embarcar para longe
despejado do que não fiz
voando numa brisa
a contornar a falha
do que não se inventa
nem do que não se cria.

Impaciento-me por ser vadio
e me perder
quando o sonho
é um embarque no porto
da inexistência.
Depois quando o tempo ainda dói
e a ausência ainda me atormenta,
recebo o que resta da memória:
Portas abertas
por onde entram os amigos
que me vão construindo
com a areia que sobrevive.

JFV

segunda-feira, 1 de abril de 2013

SENTADOS NO CHÃO







Deixem que me sente no chão 
onde e quando quiser. 
Não me peçam mais que isso. 
Os incautos que fiquem em bico dos pés. 

Eles sim, podem e devem 
esgravatar o pescoço 
num colarinho branco 
e subir à torre do relógio 
para mudar a hora da sua própria existência. 

Marquem nas agendas.
Nós os sentados no chão 
lá estaremos para fazer 
a reportagem-cerebral dos vossos actos, 
não sei se aplaudiremos, 
duvido! 
Isso, porque teremos as mãos ocupadas 
a semear na terra que nos cerca 
as muitas gravatas 
que vocês já não usam 
porque saíram de moda 
e os sapatos gastos 
por tanta hora em bicos dos pés. 
Tipo, funeral dos abrigados da sorte-pequena, 
dos infames saldos das opiniões alheias. 

É verdade, 
os sentados no chão até vos compreendem, 
apenas não partilham convosco o mesmo caixão. 
Preferimos ser cremados 
dentro de uma tasca 
com uma cerveja na mão 
e tremoços na outra. 
Não sabem onde é? 
Fácil! 
Perguntem à vossa consciência 
se a rua que leva ao amor passa por lá. 
Deduzo que vão ter a resposta, 
não tenho a certeza é se a vão ouvir.

Desculpem, 
dói-me a alma, 
vou sentar-me no chão e escrever um poema. 
Talvez noutro dia nos voltemos a falar, 
tentarei que percebam o que isso é.

JFV