quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

ANACRONIA





Tantos e tão anacrónicos homens apontam para a natureza
enquanto evitam o crescimento de outros.
Jorram desfeitas, pelos lábios , recusas, caminhos infecundos.
Tentam crescer e afinal são ainda sementes
que nem respiraram terra.
É o jeito delicado de uns galhos, simulando que se fendem na sombra do chão
e na sobranceria de terem tamanho quando são, ainda e só, adubo.

Homens frágeis que se refugiam na textura de um campo branco e infértil
agitam-divididos- os dedos a tentar apaziguar o nevoeiro que lhes tolda o limite.
Quando o dispersam vêem pelo passado o que os distingue, nada!
Algemados pelas trevas do ego
sonham em colher do gelo o que nunca afluiu.

(Qualquer dia hei-de vê-los a deslizar sobre as mentiras que plantaram no pântano)

JFV

16/12/2014

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

LER




Cada livro que começamos a ler é um precipício, nunca sabemos se nos estatelamos ou ganhamos asas.
 

JFV

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O estar só tudo oculta




 Pintura de William Dobell

Para quê proibir a solidão
se enfeita a carne e ossos como a leveza das aves
sacode as penas para a almofada
onde ninguém encosta a cabeça?


Há que sossegar a noite e o dia,
tornar a vida em desconstrução
com menos espectro
e mais rasgão com conserto.
Depois...
(O estar só tudo oculta)
é o bocejo resignado no silêncio
de um corpo mal aproveitado,
a doçura do mistério que respira
involuntariamente.
Depois...
É adormecer com a almofada entre as pernas,
e deitar o destino
num quarto ao lado.


JFV

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Viagem




Andasse eu de avião...
Em 55 cm x 40 cm x 20 cm
No dia em que as cicatrizes do peito já não guardassem segredos,
emalava a pele, a carne, os ossos
e partia à procura de um novo corpo
sem receio das tempestades.

(Qualquer bagagem na alma é suficiente para voar sem tirar os pés do chão)

JFV
1/10/2014

sábado, 20 de setembro de 2014

Mortos de fome









The Actor-Picasso


As cavernas da arte não são escuras,
os artistas iluminam-as
sem provocarem sombras na imaginação.
Entram nas mentes
e dinamitam a escuridão
descobrindo as estrelas sufocadas pela inutilidade da noite
dos famintos.
Por isso, o mundo é mais claro,
mais caminhos se abrem através das trevas,
menos frio,
menos rebanhos se formam
se o riso e a lágrima não vem da boca nem dos olhos.
Rir e chorar não são migalhas agarradas
ao estômago,
nem o pensar passa fome.
São a luz que o pensamento fortalece
e faz o homem sentir vontade de se alimentar da liberdade
que a arte dá!

JFV

sábado, 13 de setembro de 2014

Gritam os poetas

Gritam os poetas.
Vizinhos dos sentimentos
que deixam que as lágrimas 

chapinhem nas grades da vida
e transformam papéis em trovoadas
concebendo a paisagem 

sem repelirem o amor e a liberdade.
Alheios às trovoadas
trocam as lágrimas com os vizinhos da cela ao lado
sem fingir que o mundo é efémero.


Bela é a poesia que não encarcera os poetas
que riem,
amam,
e lutam a cada grito da natureza.


JFV

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Caras...




Caras,
que imaginam o que os espelhos sonham
soltam o enxofre que as emolduram.
O desdém do pensamento perverso
incendeia o desconhecido
enquanto sopra a fuligem do luar nos cabelos.

Poros,
que sobrevivem da cólera
quando o autêntico deixa de ser pele natural.
Ah, que não se deslumbre o suor
por ter sido encarcerado na face escura
de pessoas repetidas em carne de fogo.

Cai,
vê-me a cantar antes que o tapete de máscaras se estenda
até à borda do precipício das tavernas
onde me embebedo da dor que se reflete no disfarce
que o cio da mentira excita quando a verdade é chicoteada.

Cai,
nos estilhaços do espelho
e não me deixes respirar as cinzas
de uma moldura que já nem as trevas circundam.

Ah, o latejar de uma só cara não se esvai com o fumo...


25/06/2014
JFV

domingo, 15 de junho de 2014

BEIJO



 The Kiss- Pablo Picasso



Frio e musgo
é o que encontro na tua boca
quando se abre e me recebe.
Nada que não seja matéria me entranha.

Proteges-te
do dar e receber.
Usas os lábios
como pratos de balança.

O bastante
para os afectos que te alimentam
de cáries obileteradas pelos achegos.

De lábios pintados a negro
Assinas os meus
já em decomposição de um beijo
que se fez amor na mentira.

JFV

sábado, 10 de maio de 2014

Começar um poema




 oliver ray - man wriiting


Começar um poema
é lama
é seda
abismo
sol
é vestir o disfarce
de uma mente sem contornos
onde o universo se fecha
no pensamento em chagas.


É arrepio
é garra
cicatriz
fogueira
é regressar ao útero
alheados do mundo
e com vontade de correr
sobre as águas contraidas.


É fogo
é cama
vagabundo
deserto
é compilação de fantasmas
gélidos de dedos e blindados de saber
algemados à memória das nuvens
que fazem trovejar os versos
e aumentam o vácuo nas palavras.


Começar um poema
é a enxurrada do desejo
a ser devorado pelo silêncio
é a liberdade da ilusão
a desestruturar o corpo
e dele restar farrapos de poesia.


É! Apenas o começo...
a ideia em evasão
pelo alçapão do querer.


JFV


9/05/2014





quinta-feira, 17 de abril de 2014

25 de Abril (A terra de algum dia...)





25 de Abril

O dia que curou as feridas
às flores.
O país de novo semeado
a forçar novas raízes
a rasgar a terra.
Um povo a acariciar
armas que cantam.
A multidão já sem pó
nos olhos,
dança livremente
sobre a terra onde nasceu.

(A terra de algum dia...)

16/04/2014
JFV

quarta-feira, 16 de abril de 2014

ESCADAS

 



Subi a escada que dá ao sótão
remexi nos cacos de gerações
que se partiram
ao atingirem a idade do escuro.
Não havia luz,
senti essas vidas pelo tacto,
senti que não se diferenciavam
da minha geração,
senti a omnipresença
de pais
avós
bisavós
no interruptor
que não acende
mas se sente
quando os genes ocultos
se revelam nas piores memórias.
Foi por isso
e por estar também
na idade do escuro
que a escada que dá ao sótão
deixou de respeitar gerações
e fez-me cair
sobre os meus próprios cacos
que deixo espalhados
pelos muitos degraus
que um dia chegarão a escadas
levando a próxima geração
a não tactear na vida!

JFV

domingo, 13 de abril de 2014

Senti hoje um aroma a Anjos...






"Hoje pensionistas e reformados saíram à rua contra cortes"

Senti hoje um aroma a Anjos
vindo da calçada.
Entrou-me pelas narinas
e o chão que piso
tornou-se imortal.

O suor dos Anjos não tem nada de celestial,
vem de gente
que tempera o país antes do céu.

JFV

domingo, 16 de março de 2014

SEMENTES




Sim, é implacável a dor que um bico de ave provoca nas sementes que plantamos no sangue.
Escorre e tempera o corpo para ser mastigado_mais tarde_ pelos anjos da carne, no ponto!
As feridas voam e ganham penas vermelhas...
Sei lá, se poisam nas nuvens ou fazem a digestão.
JFV

16/03/2014

domingo, 23 de fevereiro de 2014

CERA




 Agnes-Cecile, "Our great love story"

A mais bela história de amor,
a que não se rasga
para acariciar o chão
com o espanto de um coração
que cumpre madrugadas,
e calceta a dor,
Nunca é a nossa!


Nossa é a memória
da lama que deixaram
e o poder do que não importa.
Nossa é a obscenidade
de ter feito história
com punhais cravados no atrevimento
de ter amado e forrado o chão
com lágrimas de cera.


JFV


23/02/2014

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Distracção






Acordei tarde
distrai-me a sonhar
sonhos atrasados
para que o acordar
fosse uma espécie de renascimento.

Tenho-me escondido
nos fragmentos de uma vida
com pouco uso.


JFV

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

TEIA





A aranha me fez de seda
e a vida em linha curva.
Fui sugado por moscas e podres-nossos
que imitam o que seria a vida num acto de fé
e o destino é apanhado na teia
onde o herói é o veneno que me matou antes da concepção
.