sábado, 4 de novembro de 2017

Bulício, como demoras...

 Dariusz Labuzek - It's Time to Say Goodbye

Bulício, como demoras...

Esta ânsia de agitar os relógios
desfaz o tempo que tenho para refazer o meu mundo
e repelir o silêncio pendido na encruzilhada
onde o ser travesso que sou, se perde.

Nem o álibi dos ponteiros me inocenta
das horas que amei mal.


Enquanto imitava a pressa do quotidiano
apodreciam luas e sóis nos meus braços.
Nas minhas virilhas nunca foi noite ou dia,
não suplicaram nuvens nem estrelas,
fingiam amor pelo futuro que não existia.


Tantos bocejos!
Tanta espera em plataformas de corações parados!
 

O sossego permanece.
As noites de suor estão presas
na angústia do amanhã
que já não recordam a potência do ontem.

As rugas são a calmaria da adolescência
neste desassossego de um passado
que nem a catraca giratória
faz com que acerte nas horas aprumadas.


É pelo coração que contamos
o tempo que falta para acertar
o quando foi cedo ou tarde para amar.
Esta ânsia de agitar os relógios
não marca destinos,
adianta o desejo do bulício que demora.


(A idade é ciumenta quando o tempo se desfaz e adianta.)

FV
02/11/2017

sábado, 21 de outubro de 2017

Hoje rasguei o coração


 Memória (O coração)__ Frida Kahlo


Hoje rasguei o coração
Soprei
Vi-o ir cumprir destinos para outro lado.

(Que importa? São só sonhos a esvoaçar...)


JFV
2/09/2017

ELEIÇÕES

ELEIÇÕES

Há tanta gente a enferrujar o mundo.
Pairam entre o ódio, a indiferença e o vinagre nas promessas.

( E saber que corroem os iludidos com "palavras cruzadas")

JFV
14/09/2017

Tiraram-me todo o mistério




 Christophe Hohler



Tiraram-me todo o mistério.
Os fantasmas deixaram as vestes no balneário.
Fantasmas nus e musculados não me amedrontam,
são a nudez do além e do aquém
que usam caveiras de marca.
Nenhum me põe os pelos em riste
nem me causam calafrios.


( As trevas tornaram-me invisível e durmo sozinho sem necessitar de um lençol suado vindo do inferno.)

JFV
28/09/2017

Gin tónico




 matisse_bonheur-vivre

Gin tónico

Não há gin tónico entre nós
para que possamos brindar aos corações
que se cansaram de estar em sentinela.


Do nosso lado
temos a poesia que a distância ilumina
e disfarça
como se a realidade tivesse raízes
para além da vontade.


Temos viajado pelos nossos corpos
sem nos tocarmos
ou ousarmos entrelaçar os sexos.
 

E esta vontade
de existires onde me repito
para que a minha sombra sejas tu,
nunca foi consumada.


Tenho o corpo vazio de ti
mas o gelo que tenho no peito derrete
e inunda a imaginação.


(Hoje tenho pena de o não ter posto no gin tónico)


JFV
6/10/2017

terça-feira, 11 de julho de 2017

INQUIETUDE



A vontade alheia e mendiga
é incapaz de alimentar
um faminto da criação.

A gula é movediça
quando a fome do querer fazer
é um sonho barricado no estômago.

A inquietude
do mendigo digere a ilusão
e come a inércia
que o vagar provoca.

JFV

05/07/2017

quarta-feira, 1 de março de 2017

Hoje não vou estar calado...

 Para Manuela Sabino



Hoje não vou estar calado.
Não me interessa
que abras a gaveta da memória
e me olhes com o olhar de apagar fogueiras.

É inútil!
É como se os passos que caminhaste
percorressem mais o dia
do que a vida.

É inútil!
São anos que a terra te deu
e com ela construíste
a casa da conveniência
o que faz que tenhas a idade das borboletas.

Hoje não vou estar calado.
Não me interessa que ignores
o sol que entra pelo teu dia…
Vou recordá-lo mesmo que me olhes
com o olhar de apagar fogueiras.
Podes tentar,
mas é inútil!

O meu sentir é fogo que não se extingue!

JFV

11/1/2017






segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Duros golpes

 
 
 
 
 
Os duros golpes
não marcam data
nem se importam em que lado da vida caminhamos.
Em viés trespassam-nos a carne,
marcam terror nos dias...

com começo,
sem fim...

Regressam e enfeitam-nos o corpo
em dias curvos
para que o passadiço onde nos refugiamos
nos faça cair no abismo.

(O descaminho à nossa frente
é o desvio que nos perfura a mente)

JFV

18/01/2017

Livros que choram




Livros que choram...
Que importa que portas fechem
se a escuridão é do tamanho dos infelizes
que nunca viram a luz que dá a poesia,
nem fizeram amor com (um) romance?...

Montes e montes de livros...
Tristes, indignados...
Presos no lodo,
nos limos
e na ignorância dos charcos,
tentam sobreviver desfolhando os olhos
lágrima a lágrima.
Os livros são habitados...
têm dentro ideias,
ideais
e páginas que esbracejam para não os deixar morrer
porque não se envergonham da sua existência
nem se importam que os vejam chorar.

 
JFV
 

28/01/2017

Poeta do olhar





Para a amiga e fotógrafa Lina Madeira
Foto_Lina Madeira


Há poetas que captam a vida com o olhar.
Uma flor em liberdade sai-lhe dos olhos,
uma onda que canta na rebentação
apura-lhe os sentidos.

O dia,
a noite,
o homem que não se recusa a olhar o mundo
nem que esteja preso na ilusão da tragédia,
prolonga a esperança que o olhar tem
sem fingir sentimentos ou rotinas.

O poeta do olhar
habita no meio das estrelas,
divide o céu ao meio,
sopra as nuvens,
vive para além do infinito,
ama o que vê e o que sente
e regista na máquina e no coração.

As fotografias falam no silêncio e nada ocultam,
são como crianças que abrem a imaginação
com o mesmo entusiasmo com que o poeta do olhar
reinventa a vida!

JFV
28/01/2017