sábado, 31 de outubro de 2015

uivo

As ruas onde me movo 
são suspeitas,
os lobos uivam.

Na sombra, 

devoram as consciências
e os refúgios sangram, já.

(A noite e o escuro passeiam por cérebros
simulados.)

Enquanto os lobos esquecem a madrugada
encolho o medo,

liberto o sangue,
levito sobre a alcateia!

JFV

30/10/2015


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

desadorna-se o mundo



 Banco de refugiados - Banksy

 
Para ti, Ana Vassalo

Há duas realidades:
A de uns- os felizes-
e a dos outros- os despidos-
Os felizes têm vidas gourmet,
cafés e restaurantes assentes em estacas zero
e não pensam na fuga.
Evitam-na enquanto houver economistas
e a maneira excel  como veem a humanidade.
Têm as mãos ocupadas, a mente barricada,
os corações parados e os olhos enxutos.

Para eles há o mar sem fundo, fronteiras demarcadas e religiões derretidas.
As ondas, a liberdade, as crenças e a leveza do olhar são enxofre que os intoxica.

Zaatari, Boynuyogun, Calais, Lesbos e Chios
são nomes de casa de passe
com meninas-mulheres a taparem o rosto com cinto de ligas.
(Infectas as mentes de fraque e cartola)

Os despidos têm o mar que não cumpre rotas,
fronteiras que bloqueiam destinos,
orações ditas por lábios sem gula
e não sufocam o sonho
(mesmo que a morte esteja ali à frente).
Esquecem o nu a que chamam sobrevivência
e tremem,
não de frio mas da incerteza de terem futuro.

A força que ainda os abraça
é do tamanho da inutilidade humana.
E enquanto não descansam,
desadorna-se o mundo.


JFV

segunda-feira, 20 de abril de 2015

De partida...





  Fotos tiradas em Olhão-19-04-2015

Fingir que se é casa não importa.
É a velocidade que vive entre nós e o asfalto
que faz com que não se oculte a chave da viagem.


JFV

terça-feira, 14 de abril de 2015

SILÊNCIO DE UM BEIJO



 "in silence"_ chiharu shiota



O meu silêncio não é acompanhado por melopeia,
dança na boca viúva da palavra.
Sem som ando a fingir que vivo no pensamento
e assim mudo,
baptizo todas as prisões com o perfume que o cérebro liberta.


Preso numa cela onde perecer ou sacudir dores
(num salto de milhares de ilusões)
é-me tão enfadonho como mergulhar no poema
onde me espelho.


A esperança de mim tão desatenta
eleva a voz apenas na imaginação. 

Até o sussurro vindo das pedras
é mais audível só de olhar para elas.


Hoje, confesso que preferia
adormecer ao som de uma canção de acalentar
e que as ilusões
não se calassem,
mas o meu silêncio é encantado,
precisa do beijo das palavras para despertar
sem sujar os lábios.


JFV
14/04/2015

segunda-feira, 30 de março de 2015

A dor não respeita as almas limpas

 


 he hears the world by Agnes Cecile

Dedicado a Ana Vassalo

A dor não respeita as almas limpas, vagueia...
Vigia de bom grado
os enfraquecidos.
Assume a grande festa
do berço à urna.
É a metamorfose
da liberdade da alma
no cárcere da vida.

A dor só se respeita a si própria,
assume o comando,
desenha o nosso percurso,
invade-nos,
enclausura-se no corpo
e assoma pelos olhos
desdenhando
da alegria que passa ao longe.


JFV

quarta-feira, 4 de março de 2015

BEM ME QUER MAL





BEM ME QUER MAL

(A TODAS AS MULHERES VITIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA)

Poisei os olhos no amor e na felicidade
quando o bater do coração me pareceu que alongava a vida.
Apareceste... que medo.
Medo de sentir a implacável garra do amor,
transformar a solidão em algemas de ilusões.
Medo que as estrelas que sempre vi ao longe
caiam com leveza sobre a minha cabeça.
Medo que o corpo levite
até onde a sombra dos sentidos adormecem.
Medo que brotem fervores ao chegar da tempestade
e a aceitação do prazer faça cantar os olhos.
Medo de acreditar que já não sou desabitada
e em mim more outrem e se funda.
Um medo que o vento não leva,
o tempo não esquece porque o sempre é hoje
e indivisíveis somos intemporais.
O amor veio...
A felicidade adquiriu a forma
de palavras concebidas sem pecado,
construindo ermidas de sonhos onde o medo se perdeu.
Amar a dois corpos virados a sul por onde entra o sol
sem queimar o macio da esperança
prolongou o mistério dos murmúrios
e do êxtase que atingimos ao soltar das nuvens.
As noites de suor tornaram-se leves,
povoadas de casulos a darem à luz desejos de seda.
Soube de amor e sexo e do abrir o universo em mim.

Soube, não sei mais...

O fechar dos punhos que rompeu a harmonia
está debaixo da tua pele e faz sangrar o que hoje é a realidade:
A discórdia de um destino a que não me resignei.
Voltou o medo, outro medo...
A sonhada felicidade arde-me por dentro.
A dureza do tempo enganoso e implacável acende a noite mais adiante,
para além de uma cama, para além das promessas.
O acreditar no “para sempre” está cheio de nós e de atitudes de barro.
O amor emperrou, o amanhã não será alheio à violência,
O chão não será o meu caminho
nem as algemas voarão sobre a desilusão.
Tornei-me na barricada que sustém o sangue e as lágrimas,
que escorrem nas mãos da mentira e do engano.
O feminino levado ao tapete pela fragilidade que povoa os esfarrapados de mente
não morreu.
Enfeita o que resta quando se parte para o obscuro,
segue o rasto dos passos que ainda deixam marca de renovação,
procura novos acessos para sair da encruzilhada,
ensina à solidão que da vida não se tem piedade.

Mais medo...
O medo de reencontrar algures a indefinição do que é estar inteira.
O medo de pôr termo à submissão
Mas o medo tem término...
E num gritar de boca já sem medo,
acreditar que há outros dias para renascer.
Viver sem ele é gostar da condição do ser mulher ,
decepá-lo e ir até onde principia a zanga a que se tem direito
para que se possa margear livremente o amor.

JFV

03/03/2015











sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Os olhos não fogem...




Choro!
Grito com os homens que sendo da terra, da terra fogem.
Fundem-se, terríveis, à morte que provocam com a impureza dos excessos
e trazem para a rua o terror como se fosse a pele com que nasceram,
o corpo com o cheiro a pólvora com que cresceram,
a vida de metal, colérica e negra com que morrerão.

Choro!
A minha inquietação não me permite dar sentido a um mundo
que provoca tempestades a sangue frio,
concebendo-as e executando-as como se o céu fosse só um,
existisse apenas uma estação no ano
e o abismo entre o céu e a terra fosse somente nevoeiro.

Choro!
Rego a terra onde não serão sepultados os que hoje estão de luto
mas respiram liberdade.

Os olhos não fogem...

08/01/2015

JFV