quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Venho de ver o mar deserto…








Venho de ver o mar deserto…

Trago as ondas nas mãos

onde as deixo sossegar

e neste silêncio que procuram

a ilusão da liberdade

já me escorre pelos dedos.


(Mas inunda-me o coração.)



JFV

29/11/2016

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

HOJE NÃO...



  
Tired of Being Angry- Bernie Rosage Jr.



Hoje não me revejo naquilo que sou...
Talvez amanhã,
ou depois...
A esperança é um bocejo
que a pouco e pouco adormece
e me arranca do sonho com os cascos
da besta que não escondo de mim.
Hoje não...
Talvez amanhã,
ou depois
me reinvente e saiba dizer
a que hora exacta
deverei mudar as ferraduras,
cavalgue de esperança em riste
e mate todos os sonhos mal aproveitados.
Hoje não...
Talvez amanhã,
ou depois...
Hoje tudo me cansa!


JFV
16/11/2016

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Chuva




(Vista do meu quarto em Olhão)


Cai, cai...
Ébria de aventura
a chuva vive no céu
mas é na terra
que é feliz!


(Cai e acaricia o sol apagado!)

JFV

A noite falha...




A noite falha.
O escuro grita ao sono intermédio
e assusta o rebanho incontável.
Prolonga-se a noite
e fios de memórias
saltam sobre as cercas dos olhos.

A noite falha
e a manhã chegará
como um espectro de velas.

JFV
28/10/2016

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O Outono tem pudor da água





 Autumn Energy, original painting by Nancy Eckels


Olhos chegados às entranhas do frio
empunham bandeiras que não morrem nem gelam.

Hasteadas as lágrimas no mastro dos pesadelos
não desbotam o arco íris
nem quando a cor e a luz
faz com que a primavera seja uma adivinha.

Inventam-se novos olhos
que trepam árvores e dão sentido à terra
mesmo que o remorso do vento
ensine as folhas a bordar um novo manto
sem que as lágrimas se tornem fogueiras.

( O Outono tem pudor da água.)

28/09/2016

JFV

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Quero tanto ser importante...




 Otto Dix

(-Quero tanto ser importante-)

Andar com dois mestrados pela trela.
Falar mandarim enquanto mastigo pizza prateada
e italiano com chau min de ouro na boca.
Representar Beckett, Tennessee Williams, Juan Mayorga
numa cama de corcel
onde possa esperar que Godot chame o desejo
sem parecer um animal noturno com cio.
Ler a Bíblia, Vedas, Alcorão, Tanakh e outros mais
para quando o pecado urgir
a absolvição seja instantânea
e não entre no céu por orifícios adversos.
Vestir etiquetas de marca e não me constipar.
Morar em Peak Road, Fifth Avenue, Knightsbridge
sem me sentir o indigente sobre quem caiu o tecto de Deus.
Aprender a colocar vírgulas e reticências no final das ruas
e usar a semântica como passadeiras para peões.

(Não pretendo chocar com a inteligência
nem ser atropelado por ideias ou raciocínios).

Descer aos confins do inferno
e assar a raiz do pensamento nas labaredas de Dante
de forma que as punições sejam uma “Divina Comédia”.
Cumprimentar o trolha, o camponês, o feirante.
Passar pelos seus pardieiros sem solidão nas janelas.
Os filhos a crescerem à minha passagem
põem-me um açaime para não morder as próprias canelas.

(A importância que tenho foi arrancada do chão
pelo acariciar dos vendavais que a vida persegue)


JFV

10/02/2016

sábado, 30 de janeiro de 2016

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Não passa este tempo de atenções apressadas





 Francis Bacon. Three Studies for a Crucifixion

Não passa este tempo de atenções apressadas
e de enfeites a escorrerem por corações podados à pressa.
Há quem se esforce,
quem se torça
para que a esmola não entorne e manche o longo manto
que se desenrola aos pés da virgem da época.
E esta azáfama frita a boa vontade
perfumada de óleo rançoso.
O amor, e outros sentimentos mais ou menos indigestos,
servem-se em fartura (sempre por debaixo da consciência).
E é nesse tempo que não passa que engordamos a piedade.


JFV

Dezembro-2015

sábado, 2 de janeiro de 2016

ÁGUA FORTE



 Pintura:
Oswaldo Guayasamín
Manos de lágrimas

Lágrimas com cheiro a bafio
em rostos desfraldados
não são belas,
escorrem por tempos roubados.
Acumulam-se durante o ano,
nada secretas.
Tornam o mundo num enxoval
de vida solteira.
São olhos de naftalina que sofrem.

Que infelizes
os que nunca choram
mas têm a persegui-los
essas gotas que estupram os olhos.
não gritam,
não cantam,
mas dão brado,
recebem ovações
só porque existem e estão secos.
(Todos os dias são dias de corações mortos
e pensamentos de pedra.)

Lágrimas incendiárias são obscenas,
os orgasmos são de cinza
e espalham-se enquanto urdem prazer.
Chorem!, quando estivermos de costas,
a olhar o fogo de artifício que explode do avesso,
e temos faúlhas nos olhos
--porque se amam uns aos outros?

Gosto de me sentir água.
Isso sou eu que me embrulho no enxoval
que é a vida
e amo
e repito as lágrimas.
( A sua abundância não me enferruja os olhos.)


1/1/2016

JFV