CATAVENTO by Alberto Aravena
Abri a porta de
casa e saí acompanhado pela corrente de ar que se levantou. A janela
do quarto estava aberta. Deixei que fosse comigo, a minha única
companhia, com quem partilho palavras e me devolve em aragem as
emoções. Saímos com destino nenhum, levados pela inoperância do
momento. Parámos no primeiro café que encontrámos, bebi uma bica.
Paga a conta subimos a rua, lado a lado, como dois amantes estranhos
ao momento de amar. Soprou ligeiramente, acalmando o crescendo de
saudade que se me aninhava no coração. Ardia-me (no peito? no
cérebro?) um fim de semana
completo de
abraços, de sussurros, de felicidade a prazo, também de muita dor
porque foi um fim de semana de becos sem saída. Sabia, tinha a
certeza que no fim existia o muro, o que se constrói de sonhos, o
que se espera que tenha uma porta, um postigo, uma fenda, qualquer
abertura por onde se possa sair e libertar o desejo da carência.
Tanta falta faz uma picareta de vontade que derrube os muitos muros
que nos impomos, mas não, o muro já existia antes. indestrutível,
intransponível, capaz de suportar até a fúria da corrente de ar
que tenho como companhia.Tudo indicava para que lado sopraria a
tormenta que chegaria uns dias depois. Na altura não ouvi, aliada à
certeza de que um muro aparece sempre quando chega a tempestade, não
há para onde fugir ou esconder. Minto! Pode-se sempre pedir à nossa
amiga corrente de ar que nos entre dentro e nos faça sobreviver, até
porque as paixões não se alimentam de excesso de ar, sim da falta
dele.
Continuámos a
subir a rua não voltando a falar do fim de semana, de muros, amor ou
paixão, nada que se intrometesse na aragem que nos enlaçava como
dois bons companheiros de silêncio onde as palavras significariam o
acordar da importância. Não me (nos) interessava despertar.
No outro lado da
rua reparei num polícia que multava um transeunte, não entendia de
que falavam, gesticulavam e dessa mímica percebi que devia ter a ver
com alguma infracção sentimental.
Ainda tentei
debater o que tinha presenciado com a corrente de ar mas recebi uma
brisa como a dizer-me que as ilusões se pagam caro. Tão caro como a
esperança que se auto-instala. Culpa de um. Culpa do que não se
sabe o que se sente ou do que se sabe e não se quer sentir.
Todos os que se
apaixonam deveriam pagar multa. Regulamentar a proibição do amor,
evitaria a ilusão e posteriormente o auto-flagelo emocional.
Nada me pertence
mais que a solidão, nem mesmo a minha amiga tem nesse momento força
de sopro para me fazer esquecer o quanto é importante sentir
compaixão de mim mesmo. Nada mais errado, sei isso quando me
conspurco de culpa, de rebelião, de arrependimento. No exacto
instante do lamento a cegueira atrofia-me, excedo-me e a razão toma
contornos de burrice. Porque em momentos de insensatez não se perdoa
o sofrimento da não retribuição. Deveria ter sido o que não fui:
cerebral!
Continuemos a
nossa caminhada:
Depois do
episódio com o policia, a corrente de ar acalmou, permitindo que
conseguisse ouvir o meu próprio silêncio. Ainda tentei dialogar,
soprar, utilizei um leque improvisado com uma folha A4, abanei-a com
um livro que trazia na mochila, pedi a um grupo de jovens estudantes
que passavam que a fizesse reagir bramindo as batinas ao seu redor
formando um quase furacão, a uma velhota de bengala que a esgrimisse
à sua volta…nada resultou, mobilidade e sossego absoluto.
Com o amuo dela
surgiu o sol,um bafo de humidade e calor que me entorpeceu de vez.
Deixei de falar do fim de semana na tentativa de a fazer reagir, de
tentar que soprasse. Gritei o seu nome, gritei ainda mais alto o que
me ia na alma, esperneei, esperneei…
Finalmente tomou
posição: Cansada de tanto lamento deixou de ser a amiga corrente de
ar e soprou forte, tornando-se num vendaval.
Rodopiei qual
catavento.
Foi a forma que
encontrou para me mostrar que aquele não era eu. Não lhe bastava
simplesmente ter-me dito? Os amigos por vezes sabem mesmo ser cruéis.
Não entendem que a paixão dói mesmo?... Paixão?...Na verdade os
amigos são cruéis porque são lúcidos.
De tanto rodopiar
fiquei atónito. Virado de novo em direcção a casa, palmilhei os
metros que me separavam dela e entrei. Enquanto fechava a porta ouvi:
-Não me deixas
entrar?
Afinal a minha
amiga voltou comigo. Entrou, fechei a porta, abracei-a e disse:
-Queres que deixe
a janela aberta?
- É melhor, sei
que vais precisar de mim por uns tempos.
JFV
"nada que se intrometesse na aragem que nos enlaçava como dois bons companheiros de silêncio onde as palavras significariam o acordar da importância."
ResponderEliminar"-Não me deixas entrar?
Afinal a minha amiga voltou comigo. Entrou, fechei a porta, abracei-a e disse:
-Queres que deixe a janela aberta?"
Eu diria que vale a pena "acordar a importância" quando ela chega para nos falar de coisas certas. E uma coisa certa e comprovada é esse teu enorme talento de Poeta de alma, presente em tudo o que fazes: no excelente ser humano que és, no amigo divertido e incondicional que nunca nos falha, na poesia que emprestas à vida - a tua e a dos que te rodeiam.
Só tu, para abraçares a ventania e manteres com ela um belíssimo e cúmplice romance, de quem conhece exactamente a importância do outro e a falta que lhe faz, convergindo nos caminhos por mais que eles inventem a separação.
E ficamos aqui, nós, estáticos frente à janela escancarada, ansiando por correntes de ar que nos abracem também com a luz que a tua nos traz.
Fica a regra confirmada: por mais que ame a tua Poesia, inteligente, única e bela, surpreendo-me sempre fascinada perante o poder da tua prosa, que texto após texto denuncia o imenso escritor que és, qualquer que seja o registo.
E como já sei isso tudo, ficas DISPENSADO de responder a este comentário aqui, já que depois me darás conta telefonicamente dos embaraços vários que os elogios te causam. Quem é amiga, quem é?
Beijinho, dear.
Amiga é pouco...Uff, dispensado é perfeito. Como me conheces...Beijinho
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