terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

OS SEM-UMBIGO



OS SEM-UMBIGO



Portugal, 2005, dez milhões de habitantes, aproximadamente.

Nos transportes públicos, nas ruas, nas salas de espectáculos, no local de trabalho, em condomínios de luxo, em bairros de classe média, em barracas… não vejo pessoas, vejo umbigos. De boca irada, queixo içado, cabeça vazia, vejo-as (pessoas) translúcidas, a olharem, a acariciarem, quase em êxtase os seus umbigos, Alguns deles (umbigos) enormes, quase abóboras-meninas (os), (geneticamente ainda não se pode saber o sexo da semente, pois não?).

Os sem-umbigo passam despercebidos de tanto temor ao que possam pensar deles, de lhes dizerem que deixaram pelo caminho a oportunidade de sonharem com um Porsches, um cartão de crédito dourado (no mínimo) ou um andar na zona alta de Lisboa.

Um vaso de flores no poial, uma corda de roupa estendida no muro fronteiriço à casa, o vizinho que se queixa das cruzes, são imagens em via de extinção, isso, porque o umbigo do dito vizinho cresceu desmesuradamente quando o filho se fez doutor:

- D. Arminda, sabe que o meu filho teve 18 no final do curso? Agora que é advogado não quer que vá ao café de bata, de beata ao canto da boca nem que faça biscates para fora. (Um pai baboso a coçar o umbigo).

Homens, mulheres, a confrontarem-se com a semente que semearam.

Esses umbigos nunca estão sós. Andam pelo país à procura de clandestinos, sim, porque os há clandestinos (os umbigos) ainda sem obsessões de grasnar o olhar para baixo, não se ouvem porque recostam disfarçadamente e timidamente o rosto para o lado. A tentação é ainda uma borbulha inconsistente, prestes a passar a elegante. Será mesmo uma borbulha o que se vê por debaixo da camisa? Quando encontram algum clandestino, os que já não o são, erguem-se em bico dos pés e dissertam sobre a gravidez histérica, na vantagem de se pensar que se tem o que (ainda) não se tem; um umbigo imenso cautelosamente importante.

No autocarro, mais propriamente o 42 (Lisboa) as pessoas não são abastadas, viajo diariamente nele e constato que de abastadas têm o afastamento próprio de quem vai a caminho de uma paragem na “Casa da Sorte” ou no “Preço Certo -não todos -também há a arraia-miúda. Os sem-umbigo, embalsamados de tanta inutilidade que observam são esquecidos. Esqueléticos, mesmo pesando 100 kg não ocupam espaço no 42 porque ninguém os vê, as suas paragens limitam-se à porta de uma livraria, de um teatro ou de um cinema, extravagância tal para os sem-umbigo que dificilmente se irão recompor de tamanha ousadia.

Quanto a mim, espero que Freud não tenha razão, e não esteja (eu) na “Situação psicossomática de histeria de conversão”, não me apetece mesmo nada entrar para o Guiness…A não ser na forma de uma garrafa de cerveja!!!



JFV

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